terça-feira, 31 de maio de 2011

Entrevista com OTFRIED HOFFE - Filósofo Alemão, professor de Tübingen

Horizonte amplo é trunfo de pensadores alemães, diz o filósofo do direito Otfried Höffe

Otfried Höffe


Interesse por outros territórios culturais e linguísticos, interdisciplinaridade, mediação entre o analítico e o transcendental: estas são algumas virtudes dos filósofos alemães, segundo o catedrático de Tübingen.
Otfried Höffe é professor titular de filosofia na Universidade de Tübingen, e conhecido como um dos maiores expoentes, na Alemanha, da Filosofia Política, que enfoca o Estado e o direito, e da Filosofia Moral.
Estudioso das obras de Aristóteles e Immanuel Kant, dedica-se também a temas como Teoria do Conhecimento e Ética Aplicada (bioética, ética econômica, ética da ecologia, etc.). Autor de diversos livros e artigos, seu trabalho se destaca especialmente pela defesa de um debate intercultural e de uma ordem jurídica que, segundo ele, deve ser de natureza global, federal e subsidiária às ordens jurídicas nacionais.
Defensor da aplicação das filosofias de Aristóteles e Kant a diversos problemas atuais, o professor Höffe pensa que o estudo da filosofia deve possuir uma dimensão histórico-sistemática mais séria. Na entrevista à Deutsche Welle, ele explica algumas características de seu trabalho e da filosofia na Alemanha.

ENTREVISTA.

Deutsche Welle: Para que precisamos da filosofia ainda hoje, ou especialmente hoje?

Otfried Höffe: A filosofia se debruça sobre questões fundamentais de todo o nosso mundo, seja o mundo natural, o social ou o da linguagem. Ela se volta tanto para a vida cotidiana como para a política, a ciência, a medicina e a técnica, bem como para a música, a literatura e a arte. O contemporâneo atento vê em todas essas áreas uma quantidade tal de problemas, que a filosofia é altamente solicitada, das mais diversas maneiras.
Aqui apenas alguns exemplos: 1) Como se pode imaginar o universo antes do Big Bang? De onde vem o que existia antes dele? 2) A neurociência coloca em questão a liberdade e a responsabilidade humana? 3) Como é possível uma coexistência pacífica de culturas diferentes? 4) Como tornar humanas as megalópoles, do ponto de vista arquitetônico e social? 5) A partir de que ponto se pode dizer que a vida humana dispõe da proteção total da dignidade e dos direitos humanos?

Quais são as tendências da filosofia, mais especificamente da filosofia do direito, hoje na Alemanha?

Os temas focais na Alemanha são, por um lado, a história da filosofia em suas diferentes épocas e suas figuras de destaque – em especial Platão e Aristóteles, Kant e o Idealismo alemão, sem que se esqueçam a Alta Antiguidade e a Idade Média, o começo da Era Moderna, os clássicos anglo-americanos ou Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger.
Por outro lado, existe uma filosofia sistemática não menos intensiva e multifacetada. Entre esses dois lados há ligações estreitas, visto que um pensamento sistemático inteligente se faz inspirar pela consciência de problemas que tiveram seus predecessores, e portanto procura um diálogo com eles, em vez de se contentar com a consciência de problemas de seus contemporâneos, por vezes um tanto fortuita.
Focos da filosofia sistemática são, por exemplo, a teoria do conhecimento e a filosofia da mente, incluindo uma teoria das emoções e a análise diferencial da inteligência humana e animal. O amplo campo da filosofia prática é discutido com especial intensidade. Na ética (fundamental) discute-se o relacionamento entre eudaimonia (felicidade) e autonomia, além da fundamentação do direito, do Estado e de uma ordem jurídica global; por fim, discutem-se tópicos da ética aplicada, como a ética econômica e, mais ainda, a ética médica.
Alguns dos filósofos mais jovens são mais familiares com a tradição anglo-americana do que com as tradições alemãs, francesas ou da Antiguidade. Contudo os mais inteligentes entre eles não se curvam diante desse novo grande provincianismo – em geral, tematicamente estreito e de abordagem empírica. Eles são plenamente capazes de argumentar analiticamente, sem, no entanto, renunciar às constatações da filosofia transcendental, da fenomenologia ou da hermenêutica.
Como a filosofia apela à razão e experiência comuns a todos os humanos, ela está atada a um espaço linguístico e cultural, num sentido essencial. Do mundo germanófono derivam algumas correntes filosóficas de importância extraordinária, e pensadores excepcionais. Felizmente eles se tornaram, em razão de sua excelência, um bem comum do patrimônio filosófico global. Os textos e pensamentos de Gottfried Leibniz, Immanuel Kant e dos filósofos idealistas alemães, especificamente de Friedrich Hegel, além de Schopenhauer, Nietzsche, Husserl e Heidegger, assim como da Escola de Frankfurt, de Ludwig Wittgenstein e do positivismo lógico, são estudados e cultivados em muitos lugares do mundo.

Pode-se falar ainda hoje de uma filosofia alemã e, caso positivo, como distingui-la? Onde o senhor vê diferenças em relação a outros colegas europeus e norte-americanos?

Se sob "filosofia alemã" entendermos o pensamento praticado pelos filósofos na Alemanha e no grande espaço germanófono, o que caracteriza os mais inteligentes entre eles é: não tomarem apenas conhecimento dos textos e dos colegas em seu próprio território linguístico; terem um horizonte histórico-filosófico e sistemático bastante amplo (em virtude mesmo da prática ainda dominante da livre-docência), em vez de se entregar a uma superespecialização; estarem bem preparados para a cooperação interdisciplinar, ao menos devido à exigência de uma cadeira não filosófica, no mínimo, dentro do atual curso de Magister; por fim, mediarem criativamente entre o assim chamado "pensamento analítico" – atualmente dominante, em nível global – e o pensamento transcendental-filosófico, fenomenológico ou hermenêutico.

A Alemanha é ainda a terra da filosofia?

Uma coisa, pelo menos, é verdade: a filosofia está em grande demanda na Alemanha, de diversos pontos de vista. Foram publicados muitos textos filosóficos (livros, artigos em revistas e ensaios em grandes diários e semanários). Os filósofos estão desproporcionalmente bem representados nos debates públicos. O número de estudantes de Filosofia cresce, e os melhores entre eles são excelentes. Especialistas em Literatura, teólogos, juristas, etc., escolhem com frequência a Filosofia como disciplina complementar ou adicional. Os doutorandos e docentes de Filosofia alemães são muito bem-vindos no exterior.

Através de que o seu trabalho se diferencia do de outros filósofos alemães?

De fato, há algumas particularidades. Entre outras coisas, eu trato dos temas da filosofia prática em toda sua amplitude, desde as reflexões fundamentais – tanto éticas como da Teoria da Ação –, passando pela fundamentação do Direito e do Estado, até o vasto campo da ética aplicada, com ênfase na ética científica, técnica, ambiental, econômica e, acima de tudo, na ética biomédica. Para tal, claro, é sempre preciso se informar sobre cada um dos setores em questão.
Filósofo do direito em sua bibliotecaTambém pouco usual é o fato de eu, sobretudo na ética, recorrer à sabedoria de vida da grande literatura.
No âmbito da reflexão fundamental ética, não vejo a ética da eudaimonia (felicidade) de Aristóteles e a ética da autonomia de Kant como alternativas opostas. Antes, valorizo as múltiplas convergências e complementações, sem por isso nivelar as diferenças fundamentais; além disso mantenho-me aberto à crítica moral, da qual Friedrich Nietzsche é o ápice.
Na filosofia prática (que inclui a filosofia do direito e do Estado), dedico-me à tarefa negligenciada – desde John Rawls até Jürgen Habermas – de legitimar a autoridade coerciva relacionada aos poderes públicos.
Em nossos tempos de globalização, considero imprescindível o diálogo intercultural. Em um de meus livros, contemplo pensadores muçulmanos e judeus, indianos e chineses; em outro reúno textos de praticamente todas as épocas e culturas, inclusive discursos interculturais sobre o Direito, por exemplo, sobre a legitimação de uma ordem jurídica global federal e subsidiária.
Ao contrário da tendência de se dedicar à história sem interesses sistemáticos, mas sem explorar uma dimensão histórico-filosófica profunda, procuro uma inspiração recíproca. Ademais, levo a sério a ideia de uma filosofia verdadeiramente prática e política, e me envolvo, modo philosophico, nos debates públicos.

Como o senhor vê o trabalho da filosofia antiga nos dias de hoje? Aristóteles continua sendo sempre atual?

A filosofia, entendida como uma reflexão conceitual-argumentativa, começa com os gregos e logo alcança um tal nível de rigor conceitual, de poder analítico, profundeza especulativa e é tão saturada de experiência, que a filosofia antiga, especificamente Aristóteles, permanece um modelo raramente alcançado e quase nunca suplantado.
A atualidade de Aristóteles é tão vasta, que aqui só se podem dar uns poucos exemplos. Em primeiro lugar, citem-se as quatro máximas metódicas: assegurar os fenômenos, trabalhar nas dificuldades, reconhecer a ambiguidade dos conceitos filosóficos básicos e registrar pontos de vista alheios. São exemplares a flexibilidade e tolerância teórico-científica de Aristóteles, assim como sua excepcional curiosidade temática, que se volta sobre todo o mundo natural, social e cultural-linguístico.
Até hoje são atuais as análises de Aristóteles, por exemplo, sobre a ação responsável, a justiça, a amizade e o prazer, a antropologia política, a ambiguidade do governo e sobre as formas de Estado, incluídos os fatores da estabilidade e instabilidade.

A justiça é o tema principal da filosofia do direito? O direito é ainda uma ciência da justiça?

Não em essência, mas do ponto de vista normativo, a justiça é o tema principal da filosofia prática. Desde a positivação e codificação do Direito – um processo também impulsionado por argumentos de justiça – a jurisprudência é, numa proporção mínima, uma ciência da justiça.
De uma jurisprudência científica também faz parte uma clarificação de fundamentos, no âmbito da qual as questões relativas à justiça exercem um papel imprescindível: Por que deve existir o direito? Por que um poder coercivo faz parte do direito? Por que a separação dos poderes públicos? Por que devem existir instituições fundamentais, tais como os direitos humanos inalienáveis e a propriedade privada? Por que a relação entre os Estados também deve ser juridicamente regulada e, por conseguinte, se deve estabelecer uma ordem jurídica global (federal e subsidiária)?

Entrevista: Pedro Proscurcin Jr.
Revisão: Augusto Valente
Fonte original: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15104766,00.html , acesso em 31/05/2011

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Educação como Responsabilidade pelo Mundo

Ricardo George de Araújo Silva

Ao observarmos o tema a cima, somos tentados a ligar o aspecto político a Educação, como  se fez em outros momentos, por muitos. Contudo, não se trata disso. Nosso objetivo é refletir um pouco sobre a perspectiva da pensadora Alemã Hannah Arendt sobre o tema.
Embora Arendt nunca tenha se ocupado prioritariamente com o tema Educação, na obra “Entre o passado o futuro”  ela destaca um ensaio intitulado “a crise na Educação. Aqui o enfoque recai sobre  a dimensão da autoridade e da responsabilidade pelo mundo.
No que concerne a autoridade, segundo Arendt, esta se encontra em déficit na educação. Para a Arendt o ato de educar pertence aos adultos, sejam pais ou professores. Sendo assim, a criança nunca é responsável pelo aprendizado, pode a ter ser protagonista e, é relevante que seja. Contudo, o que se observou, principalmente a partir das abordagens da escola nova, foi um esvaziamento do sentido de ser professor na medida em que o professor deixou de ter a intenção do ato de educar pra ser apenas um mediador. Mas, mediador de que? Do aprendizado?. Para Arendt a tarefa da escola, como mundo pré-político, é proteger a criança do mundo adulto, no sentido de permitir seu desenvolvimento e prepará-la para adentrar esse novo, preservando na criança toda capacidade de iniciar que ela detém. A criança não pode sentir-se responsável pelo mundo adulto.
Esta dimensão de proteção do mundo é importante na medida em que os adultos e, sobretudo, os educadores são capazes de preservar o mundo enquanto, espaço comum, para estas crianças. Mas como fazer isso sem autoridade?  A autoridade está em crise porque a sociedade está em crise. Ter receio de dar limites ou ter medo de afirmar que a intenção do processo de ensinagem pertence ao professor, são frutos de uma incompreensão que distorceram os significados do ato de educar. Valorizar o aluno e, respeitá-lo como agente do processo de aquisição do conhecimento e, reconhecer que o foco é ele e, não o saber isolado, não implica em transferir papeis. A autoridade é do adulto da relação, neste caso, do professor.
Assim, temos que a educação como toda prática pré-política se dá entre desiguais, os que educam são desiguais dos seus aprendentes, porque a responsabilidade pela manutenção do mundo comum, livre, justo e de direitos, é tarefa deles, adultos e, não das crianças. Esse mundo precisa ser protegido e perpetuado para receber esses novos agentes.
Por fim, temos, segundo Arendt, que a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo bastante para assumirmos a responsabilidade por ele, e com tal gesto, salvá-lo da ruína que seria inevitável não fosse à renovação e a vinda dos novos e dos jovens. A educação é também onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos, e tampouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova e imprevista para nós, preparando-as em vez disso com antecedência,  para a tarefa de renovar um mundo comum.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Trabalho: Reflexões do mundo contemporâneo

Por. Ricardo George de Araújo Sivlva

Estamos no mês do trabalho. Mas o que significa isso? Para muitos pode representar o máximo da dignidade humana, para outros a possibilidade de sobreviver com mínimo desta dignidade, para outros ainda, apenas representa a possibilidade de enriquecer com a energia dispensada por outros. Enfim, definir trabalho subjetivamente é muito complicado, vamos, pois tentar olhar o trabalho como socialmente constituído.
O trabalho é constitutivo do ser humano. Não há ser na natureza que não trabalhe. Na organização, os seres humanos conseguiram um feito estupendo! Qual seja: Tornar o trabalho desumano. Nossa forma de produzir elencou como prioridade o lucro, e, esse, o lucro, que deveria ser resultado secundário, passou a ter primazia nas relações sociais em detrimento das pessoas. Na verdade o trabalho visa à dignidade do lucro e não das pessoas. O trabalho na sociedade do consumo e da descartabilidade traz a felicidade para meia dúzia de pessoas que acessam os produtos feitos a custa da saúde e exploração de muitos. Parece até que estamos falando do século 18 em plena revolução industrial, mas não estamos! Denunciamos a condição do século 21. Século tecnológico e humanista. HUMANISTA! Penso que não.
O que dirá uma criança do México que trabalha de oito a dez horas por dia nas grandes multinacionais para produzir uma série de produtos que nunca terá acesso. O que dirá os operários da construção civil, das grandes capitais de nosso país e do mundo, acerca dos apartamentos por andar que constroem e, quando retornam pra suas moradas, descobrem que tem que chamar um barraco de dois cômodos de casa. O que dirá os pais operários pra os filhos quando indagados sobre o que serão no futuro. Acaso, poderão responder: - trabalhadores dignos, meus filhos, ou se calará em um silêncio obsequioso.
Não entendemos que o trabalho seja algo negativo em si. Contudo, reconhecemos neste, em nossa atual estrutura social, um mecanismo de exploração, mutilação e sacrifício para uma imensa maioria da população. Isto ocorre porque o mais importante não é o desenvolvimento das pessoas juntamente com o Estado, as empresas e a sociedade. O que mais importa na lógica louca do capitalismo é lucro. Por, isso consoante o pensador Alemão Karl Marx “o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz a privação para o trabalhador. Produz palácios, mas casebres para o trabalhador. Produz beleza, mas deformidade para o trabalhador. Substitui o trabalho por máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores para um trabalho bárbaro e transformam os outros em máquinas”.
Chamamos a atenção para que o dia do trabalhador possa ser de descanso mas, sobretudo, de reflexão e de lutas para construção de uma sociedade mais justa em que o trabalho realmente significa dignidade de pessoas e que o lucro seja uma etapa do processo social e, não fim. Que o fim seja a realização humana.