quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Educação e Responsabilidade pelo mundo

Prof.Me. Ricardo George
Quando optamos por tratar da educação na esteira do pensamento de Hannah Arendt, o fizemos por entender que as questões que assolam esta, se encontram fora dela, por serem de ordem política. Constatação que nos intriga, conduzindo-nos a essa problemática. Cabe ainda esclarecer, que embora concordemos com Arendt a respeito da educação ser um espaço pré-político (Cf, ARENDT, 2001, p. 128), entendemos que esta guarda forte diálogo com a política, na medida em que os agentes da intenção pedagógica, isto é, os mestres, ocupam o espaço educacional a partir de uma compreensão de mundo, de sociedade e de homem, seja esta compreensão consciente ou não.

A crise posta é uma crise política, que atinge a educação. Assim, a crise na educação não é genuinamente sua, mas um fenômeno exógeno que a atinge. Esta crise se configura em duas frentes de entendimento, a nosso ver. Primeiro encontrar respostas novas aos problemas postos. Segundo Arendt (2001, p. 223) uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com pré-conceitos”. Esta precisa ser tratada com novas abordagens, sob pena de agudizar seus efeitos e, sobretudo, deixar passar o momento da reflexão. Segundo, viabilizar ação para superação da crise a partir das respostas novas e das ações que enfrentam a realidade objetiva constituída. Assim:
 A realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso.  Se os homens são produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE. 2005, p, 41)

Ao tratarmos de crise cabe destacar a crise da autoridade ou pelo menos sua confusão conceitual que também reside fora dela, esta se encontra no engodo político fundamental, qual seja, não responsabilizar-se pelo mundo. Ao agir assim, negligenciando o mundo, a política ganha relevância secundária e aparece como serva de outros saberes, como exemplo podemos citar a sociedade de produção e consumo regulada pela economia, que ganha primazia em relação à política. Esta visa à transformação da natureza e das relações humanas em produto. Neste contexto, tudo se inscreve na lógica do consumo, na perspectiva do homem laborans. A política se for possível nessa perspectiva, é pra dar sustentação à lógica da produção e do consumo. De modo, que a organização social entendida nessa lógica conduz a política a uma crise de identidade, seu papel fica reduzido e confuso. Tal situação se estende as veias da sociedade chegando à educação, que já não ver com clareza qual seu papel. Emerge aqui a crise do senso comum, Isto é, valores e sentidos antes compartilhados se esfacelam e já não são reconhecidos no corpo social, de modo que não partilhando sentido e valores estabelecidos pela família e pela escola, estes perdem relevância, entre eles a autoridade. Assim, compreendemos que o desaparecimento do sendo comum [enquanto sentido compartilhado] nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Grifo nosso (ARENDT, 2001, p, 227)
Todavia voltando a questão da redução da política a atividades da produção Arendt (2002b, p.15) elabora uma distinção entre as necessidades humanas básicas. Apresenta as que estão presas ao ciclo vital e se encontram em predominância, a liberdade – o trabalho – e àquelas que se voltam para o mundo e seu cuidado – a fabricação, a ação e o pensamento.  Essa distinção elaborada por Arendt nos esclarece o fenômeno vivido pela modernidade que tomou a dimensão de cuidado com a vida, enquanto sobrevivência orgânica e, lançou esta perspectiva sobre todas as outras esferas do existir. Conforme Almeida (2009 p. 18) “no mundo moderno, os processos vitais ameaçam reduzir-nos a meros consumidores e limitar-nos a nosso aspecto de animal laborans, de modo que sobram cada vez menos espaços para outros princípios e atividades,” Explicando de outra maneira, asseveramos que a produção e o consumo, na sua origem, restritas aos processos biológicos, ganharam na modernidade uma lupa de aumento e, não só passaram a ser vista como necessidade, como se tornaram uma prática. Assim, o hábito da produção e consumo de tudo o quanto fosse possível, desencadeou um sentimento de insatisfação compulsivo, que em nosso entender chegou a atingir os valores. Assim:

Esse ciclo de produção e consumo, originalmente ligado aos processos biológicos, na modernidade extrapola cada vez mais satisfação das necessidades biológicas e se estende a outras dimensões. Não consumimos apenas alimentos, mas estilos de vida, produtos “culturais”, emoções, imagens. Contudo, embora o processo de produção e consumo seja cada vez mais exacerbado, a exigência imperiosa que lhe é inerente continua sendo a mesma: o suprimento das carências vitais sejam elas biológicas ou não. O ser humano enquanto ser vivo submetido às necessidades sempre prementes e obrigado a trabalhar para atendê-las é chamado por Arendt de animal laborans. (ALMEIDA, 2009,p.16)

            O animal laborans, não se ocupa de responder a nenhuma indagação que se inscreva fora da relação de consumo. De modo que o cuidado com o mundo não lhe interessa, por sua constituição não ser política, ainda que o contexto seja de crise.
A política está em crise. Assim, também, o papel da educação se encontra em crise, por que está em crise, a tríade fundamental, a saber: a fundação, a tradição e a autoridade estas, quando no bojo da crise, não são por si destrutivas. Contudo, potencializam o hiato entre passado e as realidades presentes dificultando o encaminhamento ao futuro. Rompendo essa continuidade o passado fica fragmentado, exigindo do presente novas formas de entendimento e, novo método de enfrentamento da realidade hodierna. Assim:
Nossa experiência com a tradição vive, segundo Arendt, uma situação lacunar entre estas duas ordens de tempo (passado e futuro) onde, retomando Tocquivelle, o passado não iluminando mais o presente, somos obrigados a avançar no escuro. (BRAYNER, 2008, P. 21)

Uma das conclusões que Arendt chega é que a Crise na educação frente às atrocidades histórico-sociais, sempre parecer ser menor. (Arendt, 2001, p. 222) A nosso ver, essa constatação permanece até os dias atuais, observamos isso tanto na crise da educação, como na reduzida importância do problema da educação em relação a outros problemas. O que ocorre no interior da educação sempre é legado a um segundo plano, como se esta pudesse sempre esperar o melhor momento de resolver, o que nunca chega. Se a crise desponta como oportunidade de mudança e de reflexão, a educação nunca se apropria dessa possibilidade na medida em que não lhes são abertas oportunidades. Assim, a impressão que vigora é que sempre tem problemas e crises mais urgentes e relevantes em outras áreas. Consoante Arendt (2001, p.222) “é de fato tentador considerá-la [a educação] como um fenômeno local e sem conexão com as questões principais do século.Grifo nosso
O que não se percebe, ou passa a vista sem um exame mais acurado, é que a crise na educação não é dela, como anteriormente destacamos, e sim política e generalizada. Por isso, o título tratar da crise na educação e, não da educação. O entendimento desse ponto torna-se relevante na medida em que a pretensão de Arendt, anunciada logo no inicio do texto (Cf. Arendt, 2001, p, 221), visa um problema maior. Arendt chama atenção para a política, enquanto ocupação do espaço público, que foi perdido pela tradição ao negar autoridade.  Há, portanto um fio condutor perdido pela tradição que precisa ser resgatado. Nesse sentido, precisamos resgatar a educação naquilo que a movimenta e significa. Segundo Arendt (2001, p, 223) “A essência da educação é a natalidade, o fato de que seres humanos nascem para o mundo”. Nascer para o mundo tem significados fundamentais, sejam eles: Integrar a comunidade de falantes e agentes; Perpetuar a vida e o mundo público; Garantir a renovação das instituições, entre outras. De modo que
Essa crise está relacionada às características básicas da sociedade moderna. (...) Os pressupostos do mundo moderno têm seus efeitos também na pedagogia e nas práticas educacionais, de modo que a crise mais ampla ganha uma expressão específica nesse âmbito. As questões e os problemas assim provocados, porém, não dizem respeito apenas aos pais e educadores, mas, em princípio, são da preocupação de todos, devido ao lugar fundamental que a educação ocupa no mundo. É por meio da educação que cada comunidade introduz as novas gerações  em seu modo específico de existência.(ALMEIDA, 2009, p.14)

Dito isto nos parece pertinente a constatação de que a educação tem como tarefa primordial, introduzir a crianças no mundo, contudo, cabe destacar a peculiaridade desse ato, haja vista que esse mundo antecede as crianças e continuará depois deles. De modo que viver implica se inserir em um espaço-tempo determinado e constituído em que as histórias de cada um se desenrola. Segundo, Almeida( 2009, p. 15) Essa existência “se insere numa história mais abrangente, na qual as muitas histórias  singulares se entrelaçam, devido ao aparecimento constante de novos atores, num tecido em contínua transformação”.Assim, nada nos autoriza no contexto de uma crise ou fora dele pensar a educação apenas como preparação para um mundo novo, isto pode até funcionar como uma dimensão da educação mas, não como seu fim absoluto, sob pena de estarmos ferindo a perspectiva desta enquanto fenômeno filiado a natalidade e, a constituição do novo. Pois,
Pertence à própria natureza, da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo. (Arendt, 2001, p. 226)...

 obs: texto na integra em breve - na seção ao lado