quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Educação e Responsabilidade pelo mundo

Prof.Me. Ricardo George
Quando optamos por tratar da educação na esteira do pensamento de Hannah Arendt, o fizemos por entender que as questões que assolam esta, se encontram fora dela, por serem de ordem política. Constatação que nos intriga, conduzindo-nos a essa problemática. Cabe ainda esclarecer, que embora concordemos com Arendt a respeito da educação ser um espaço pré-político (Cf, ARENDT, 2001, p. 128), entendemos que esta guarda forte diálogo com a política, na medida em que os agentes da intenção pedagógica, isto é, os mestres, ocupam o espaço educacional a partir de uma compreensão de mundo, de sociedade e de homem, seja esta compreensão consciente ou não.

A crise posta é uma crise política, que atinge a educação. Assim, a crise na educação não é genuinamente sua, mas um fenômeno exógeno que a atinge. Esta crise se configura em duas frentes de entendimento, a nosso ver. Primeiro encontrar respostas novas aos problemas postos. Segundo Arendt (2001, p. 223) uma crise só se torna um desastre quando respondemos a ela com juízos pré-formados, isto é, com pré-conceitos”. Esta precisa ser tratada com novas abordagens, sob pena de agudizar seus efeitos e, sobretudo, deixar passar o momento da reflexão. Segundo, viabilizar ação para superação da crise a partir das respostas novas e das ações que enfrentam a realidade objetiva constituída. Assim:
 A realidade social, objetiva, não existe por acaso, mas como produto da ação dos homens, também não se transforma por acaso.  Se os homens são produtores desta realidade e se esta, na “inversão da práxis”, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens” (FREIRE. 2005, p, 41)

Ao tratarmos de crise cabe destacar a crise da autoridade ou pelo menos sua confusão conceitual que também reside fora dela, esta se encontra no engodo político fundamental, qual seja, não responsabilizar-se pelo mundo. Ao agir assim, negligenciando o mundo, a política ganha relevância secundária e aparece como serva de outros saberes, como exemplo podemos citar a sociedade de produção e consumo regulada pela economia, que ganha primazia em relação à política. Esta visa à transformação da natureza e das relações humanas em produto. Neste contexto, tudo se inscreve na lógica do consumo, na perspectiva do homem laborans. A política se for possível nessa perspectiva, é pra dar sustentação à lógica da produção e do consumo. De modo, que a organização social entendida nessa lógica conduz a política a uma crise de identidade, seu papel fica reduzido e confuso. Tal situação se estende as veias da sociedade chegando à educação, que já não ver com clareza qual seu papel. Emerge aqui a crise do senso comum, Isto é, valores e sentidos antes compartilhados se esfacelam e já não são reconhecidos no corpo social, de modo que não partilhando sentido e valores estabelecidos pela família e pela escola, estes perdem relevância, entre eles a autoridade. Assim, compreendemos que o desaparecimento do sendo comum [enquanto sentido compartilhado] nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Grifo nosso (ARENDT, 2001, p, 227)
Todavia voltando a questão da redução da política a atividades da produção Arendt (2002b, p.15) elabora uma distinção entre as necessidades humanas básicas. Apresenta as que estão presas ao ciclo vital e se encontram em predominância, a liberdade – o trabalho – e àquelas que se voltam para o mundo e seu cuidado – a fabricação, a ação e o pensamento.  Essa distinção elaborada por Arendt nos esclarece o fenômeno vivido pela modernidade que tomou a dimensão de cuidado com a vida, enquanto sobrevivência orgânica e, lançou esta perspectiva sobre todas as outras esferas do existir. Conforme Almeida (2009 p. 18) “no mundo moderno, os processos vitais ameaçam reduzir-nos a meros consumidores e limitar-nos a nosso aspecto de animal laborans, de modo que sobram cada vez menos espaços para outros princípios e atividades,” Explicando de outra maneira, asseveramos que a produção e o consumo, na sua origem, restritas aos processos biológicos, ganharam na modernidade uma lupa de aumento e, não só passaram a ser vista como necessidade, como se tornaram uma prática. Assim, o hábito da produção e consumo de tudo o quanto fosse possível, desencadeou um sentimento de insatisfação compulsivo, que em nosso entender chegou a atingir os valores. Assim:

Esse ciclo de produção e consumo, originalmente ligado aos processos biológicos, na modernidade extrapola cada vez mais satisfação das necessidades biológicas e se estende a outras dimensões. Não consumimos apenas alimentos, mas estilos de vida, produtos “culturais”, emoções, imagens. Contudo, embora o processo de produção e consumo seja cada vez mais exacerbado, a exigência imperiosa que lhe é inerente continua sendo a mesma: o suprimento das carências vitais sejam elas biológicas ou não. O ser humano enquanto ser vivo submetido às necessidades sempre prementes e obrigado a trabalhar para atendê-las é chamado por Arendt de animal laborans. (ALMEIDA, 2009,p.16)

            O animal laborans, não se ocupa de responder a nenhuma indagação que se inscreva fora da relação de consumo. De modo que o cuidado com o mundo não lhe interessa, por sua constituição não ser política, ainda que o contexto seja de crise.
A política está em crise. Assim, também, o papel da educação se encontra em crise, por que está em crise, a tríade fundamental, a saber: a fundação, a tradição e a autoridade estas, quando no bojo da crise, não são por si destrutivas. Contudo, potencializam o hiato entre passado e as realidades presentes dificultando o encaminhamento ao futuro. Rompendo essa continuidade o passado fica fragmentado, exigindo do presente novas formas de entendimento e, novo método de enfrentamento da realidade hodierna. Assim:
Nossa experiência com a tradição vive, segundo Arendt, uma situação lacunar entre estas duas ordens de tempo (passado e futuro) onde, retomando Tocquivelle, o passado não iluminando mais o presente, somos obrigados a avançar no escuro. (BRAYNER, 2008, P. 21)

Uma das conclusões que Arendt chega é que a Crise na educação frente às atrocidades histórico-sociais, sempre parecer ser menor. (Arendt, 2001, p. 222) A nosso ver, essa constatação permanece até os dias atuais, observamos isso tanto na crise da educação, como na reduzida importância do problema da educação em relação a outros problemas. O que ocorre no interior da educação sempre é legado a um segundo plano, como se esta pudesse sempre esperar o melhor momento de resolver, o que nunca chega. Se a crise desponta como oportunidade de mudança e de reflexão, a educação nunca se apropria dessa possibilidade na medida em que não lhes são abertas oportunidades. Assim, a impressão que vigora é que sempre tem problemas e crises mais urgentes e relevantes em outras áreas. Consoante Arendt (2001, p.222) “é de fato tentador considerá-la [a educação] como um fenômeno local e sem conexão com as questões principais do século.Grifo nosso
O que não se percebe, ou passa a vista sem um exame mais acurado, é que a crise na educação não é dela, como anteriormente destacamos, e sim política e generalizada. Por isso, o título tratar da crise na educação e, não da educação. O entendimento desse ponto torna-se relevante na medida em que a pretensão de Arendt, anunciada logo no inicio do texto (Cf. Arendt, 2001, p, 221), visa um problema maior. Arendt chama atenção para a política, enquanto ocupação do espaço público, que foi perdido pela tradição ao negar autoridade.  Há, portanto um fio condutor perdido pela tradição que precisa ser resgatado. Nesse sentido, precisamos resgatar a educação naquilo que a movimenta e significa. Segundo Arendt (2001, p, 223) “A essência da educação é a natalidade, o fato de que seres humanos nascem para o mundo”. Nascer para o mundo tem significados fundamentais, sejam eles: Integrar a comunidade de falantes e agentes; Perpetuar a vida e o mundo público; Garantir a renovação das instituições, entre outras. De modo que
Essa crise está relacionada às características básicas da sociedade moderna. (...) Os pressupostos do mundo moderno têm seus efeitos também na pedagogia e nas práticas educacionais, de modo que a crise mais ampla ganha uma expressão específica nesse âmbito. As questões e os problemas assim provocados, porém, não dizem respeito apenas aos pais e educadores, mas, em princípio, são da preocupação de todos, devido ao lugar fundamental que a educação ocupa no mundo. É por meio da educação que cada comunidade introduz as novas gerações  em seu modo específico de existência.(ALMEIDA, 2009, p.14)

Dito isto nos parece pertinente a constatação de que a educação tem como tarefa primordial, introduzir a crianças no mundo, contudo, cabe destacar a peculiaridade desse ato, haja vista que esse mundo antecede as crianças e continuará depois deles. De modo que viver implica se inserir em um espaço-tempo determinado e constituído em que as histórias de cada um se desenrola. Segundo, Almeida( 2009, p. 15) Essa existência “se insere numa história mais abrangente, na qual as muitas histórias  singulares se entrelaçam, devido ao aparecimento constante de novos atores, num tecido em contínua transformação”.Assim, nada nos autoriza no contexto de uma crise ou fora dele pensar a educação apenas como preparação para um mundo novo, isto pode até funcionar como uma dimensão da educação mas, não como seu fim absoluto, sob pena de estarmos ferindo a perspectiva desta enquanto fenômeno filiado a natalidade e, a constituição do novo. Pois,
Pertence à própria natureza, da condição humana o fato de que cada geração se transforma em um mundo antigo, de tal modo que preparar uma nova geração para um mundo novo só pode significar o desejo de arrancar das mãos dos recém-chegados sua própria oportunidade face ao novo. (Arendt, 2001, p. 226)...

 obs: texto na integra em breve - na seção ao lado

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Governo CID e a Porrada na Educação?

Me apropriei do texto do professor Douglas, em vista de sua contundente análise pra otimizar a divulgação do famigerado governo do Ceará que trata a educação com "Amor"                                                                
                                                               Por Douglas de Paula (Professor do Curso de Letras da UECE)

Creio que o Pequeno Príncipe Cid Gomes está deixando de ser um personagem infantil para se tornar gente grande, mas, infelizmente, gente grande que não conhece sua própria medida: Cid está se tornando um personagem trágico, uma espécie de Édipo de Sobral. No lugar das pitonisas do Oráculo de Delfos, ele consulta o irmão Ciro Tirésias, um cego que pensa que tudo vê, mas que enxerga somente o próprio umbigo. Como todo personagem trágico, Cid Gomes está cometendo um ato desmedido ( hybris ), o que irá atrair para si inevitavelmente um erro, gerado por suas próprias ações. Todo personagem trágico erra porque se aferra obstinadamente a seu próprio ponto de vista e não consegue ouvir os outros. Depois da truculência do Batalhão de Choque na Assembleia Legislativa contra os professores, a sociedade civil do Ceará demonstrou, através da imprensa e da Internet, sua solidariedade aos professores, mas isso em nada abalou os ouvidos do Príncipe (agora estou em dúvida: Cid está mais para o Príncipe de Maquiavel ou para o Pequeno Príncipe de Exupéry?).

> O Dr. Mourão, em artigo de seu Blog, é que usou a palavra certa, sem deslizes: o que houve na Assembleia foi AGRESSÃO contra os professores. Enquanto os senhores de-putados se preocupavam com a destruição do “patrimônio público”, os professores eram agredidos pelo Batalhão de Choque, sem ter acesso às galerias da “Casa do Povo”. E a Educação, às portas do Plenário, bem próxima ao “quadrilátero de segurança” do Governa-dor, era agredida em seus pressupostos básicos. O professor precisa de condições materiais para viver. Ninguém trabalha por amor. Pensar que professor trabalha por amor reflete o amadorismo de um Pequeno Príncipe metido a Governador ou a ruptura da máscara ideológica do Príncipe maquiavélico.
> Caiu a máscara de Cid? Creio que não. Não dá para esperar mais do irmão de Ciro Gomes. Dá para esperar menos. Menos respeito com os servidores, menos salários para os professores, menos democracia em seu mandato. De mais mesmo só seu orgulho e sua obstinação, pontos centrais de sua hybris trágica e do começo de sua queda. Seu irmão já experimentou tal queda, pois nunca terminou um mandato, foi o deputado federal que mais faltou ao Congresso e atualmente vagueia no limbo da política, assessorando (muito mal) o irmão.
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> Não sei se Freud explica, mas, inconscientemente, talvez um irmão sonhe com a queda do outro. A disputa entre irmãos é comum na história humana, e René Girard explica bem direitinho essa rivalidade mimética. Um irmão acaba refletindo o outro, tornando-se o outro. Até os nomes contribuem para esse mimetismo: Ciro/Cid, Cid/Ciro. E qual o erro trágico do Pequeno Príncipe?
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> Resposta: não querer conversa. Cid diz: “Só negocio com o fim da greve”, e estamos conversados. Édipo agiu assim. Antígona também. Creonte idem. Todos os personagens trágicos se julgam maiores do que são e acham que não precisam prestar contas a ninguém. Para eles, dar o braço a torcer é sinônimo de fraqueza. O personagem trágico, como diz Jean-Pierre Vernant, é pego pelas próprias palavras. Não admira que Cid tenha disparado tantas frases esdrúxulas nas últimas semanas. Ele não consegue ficar calado, porque não admite que alguém se lhe oponha resistência. Afinal, foi Ciro que disse, numa greve de médicos, que médico era como sal: branco, barato e se acha em qualquer esquina . Nada há de surpreendente que Cid, o “genérico” de Ciro, solte aos quatro ventos que professor deve trabalhar por amor .
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> É justamente aí que Cid/Ciro ou Ciro/Cid erram: tornam-se seres obcecados, obstinados. Somente a obstinação não reconhece que tudo flui, e a única coisa permanente do mundo são as mudanças das coisas. Parece que o Governador nem percebeu que, na Internet, seu nome está indelevelmente manchado. O sangue dos professores, que correu na Assembleia Legislativa, suja o assoalho muito limpinho do Palácio da Abolição, numa metonímia direta entre governo/Governador . O único modo de limpar essa sujeira é respeitando os professores, pagando-lhes um salário digno e, o mais importante, obedecendo ao que manda o STF, que concede ao professor 1/3 de sua Carga Horária para preparação de aulas.
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> Se não estava nos planos do Governo aprovar um Plano de Carreira para os professores e, como disse o próprio Governador, por ele, nem Carreira existiria , que ele agora aproveite o momento para mudar de planos. Falta dinheiro? Duvido muito, pois parece que não falta para os escândalos dos banheiros ou do Cartão Único, ou para o famigerado Aquário de Fortaleza. Mas tudo bem: aceitemos a conversa fiada: falta dinheiro. Mas diz a Lei do Fundeb que, se o Estado não tiver condições para arcar com as despesas do Piso, a Federação entrará com a contraparte. Basta “apenas” que o Estado abra suas contas e prove que já investiu o máximo do orçamento em Educação. Onde está o problema, meu povo? Na falta de dinheiro, na sobra de insensatez, na desculpa esfarrapada, na maldade pura e simples ou num projeto político para deixar a Educação Pública sempre precária? Talvez um “malte” de tudo isso junto. Se o Governador não encontrar uma saída madura, será o início do fim de seu governo. Talvez de seu Principado. Talvez do Principado de todos os Ferreira Gomes.
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> Lembrete ao Pequeno Príncipe, parodiando Exupéry: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que tu agrides”.
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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

UMA QUESTÃO DE CIÊNCIA, DIREITOS HUMANOS E BIOÉTICA

Obama pede desculpas por experiência com sífilis na Guatemala
O presidente Barack Obama expressou seu profundo pesar a Álvaro Colon, presidente da Guatemala, por um estudo realizado na década de 1940 no qual 696 guatemaltecos foram deliberadamente infectados com sífilis. A Secretária de Estado americana, Hillary Clinton, e a secretária de saúde e serviços humanos, Kathleen Sebelius, emitiram uma declaração pública conjunta afirmando que o estudo foi “claramente antiético”. Os participantes foram infectados com sífilis para verificar se a penicilina poderia ser utilizada imediatamente após relações sexuais para evitar a infecção. Em sua declaração, Hillary e Kathleen afirmaram: “Apesar de esse evento ter ocorrido há mais de 64 anos, é vergonhoso que uma pesquisa tão reprovável tenha ocorrido sob o pretexto de melhoria da saúde pública. Sentimos muitíssimo e pedimos perdão a todos os indivíduos afetados por tais práticas abomináveis de pesquisa”. Tanto as secretárias quanto o presidente afirmaram que as atuais regulamentações norte-americanas sobre pesquisa médica proíbem tais práticas. O estudo na Guatemala foi descoberto por Susan Reverby, historiadora médica no Wellesley College, em Massachusetts, e autora de dois livros sobre o experimento Tuskegee nos Estados Unidos. Nesse experimento, funcionários da saúde pública realizaram o seguimento de fazendeiros negros pobres com sífilis de 1932 a 1972 no Alabama, porém não ofereceram tratamento quando a penicilina tornou-se disponível, a partir da década de 1940. Susan estava pesquisando a vida de John Cutler, envolvido no experimento Tuskegee. Ela encontrou seus textos no arquivo da Universidade de Pittsburgh, onde ele se tornou mais tarde um professor respeitado. “Os únicos textos que Cutler deixou para trás eram sobre a Guatemala”, disse ela ao BMJ. O Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos estava trabalhando para melhorar os serviços de saúde pública na Guatemala. O estudo foi financiado pelos Institutos Nacionais de Saúde, pelo Pan American Health Sanitary Bureau (que se tornou a Organização Pan-americana de Saúde) e pelo governo da Guatemala. Diferentemente do experimento Tuskegee, os participantes do estudo na Guatemala foram deliberadamente infectados com sífilis. O estudo, realizado de 1946 a 1948, tinha a esperança de descobrir se a nova droga, a penicilina, poderia ser usada imediatamente após relações sexuais para evitar a infecção por várias doenças sexualmente transmissíveis, em especial a sífilis.Os participantes não foram informados do propósito do estudo, nem forneceram consentimento livre e informado. Foram incluídos prostitutas, soldados, prisioneiros e doentes mentais. Em seu artigo, que será publicado no Journal of Policy History, Susan relata que as prostitutas foram utilizadas para transmitir a doença aos prisioneiros durante visitas permitidas.Mais tarde, foram feitas tentativas de infectar os participantes com a bactéria da sífilis colocada sobre o pênis dos homens ou sobre o antebraço e o rosto ligeiramente escarificados, e em alguns casos através de punções na coluna. Os participantes receberam injeções de penicilina para tentar evitar a infecção. .[ fonte: Janice Hopkins . http://www.bmjbrasil.com.br/ - acesso em 31-08-2011]
A notícia a cima chama atenção pra o que estamos fazendo com a Ciência e a tecnologia. Não podemos em nome do conhecimento, do “progresso” ou do lucro, sacrificar nossos semelhantes ou  a natureza. Como nos conclama Humberto Maturana, é preciso reconhecer o outro como legítimo outro (MATURANA, 2002. p. 23). O experimento realizado com os guatemaltecos expressa a instrumentalização da razão e do saber técnico, sem considerar seus efeitos políticos, bioéticos e vitais. Nenhuma ciência pode se considerar a cima do bem estar humano, toda e qualquer prática científica deve considerar o estabelecido na declaração de Nuremberg, (1946), a saber:

1. O consentimento voluntário do paciente humano é absolutamente necessário

2. O experimento deve visar resultados saudáveis à sociedade, que não tenha outros métodos ou meios de estudo, e deve ser feito com toda técnica e com absoluta necessidade.

3. O experimento deve ser baseado em resultados de experiência em animais e com o conhecimento de História natural da doença ou outro problema em estudo que justifique o experimento por seus resultados antecipados.

4. O experimento deve ser conduzido de forma tal que evite todo sofrimento ou injúria física ou mental.

5. Não se deve fazer experimento algum quando se tenha a priori razão para acreditar que possa resultar em morte ou desabilidade, exceto quando se trata de médicos.

6. O grau do risco a ser corrido pelo paciente não deve exceder a importância do problema a ser resolvido pelo experimento.

7. Todos os cuidados e precauções devem ser tomados para evitar a mais remota condição de injúria, morte ou incapacidade.

8. O experimento deve ser feito somente por pessoas cientificamente qualificadas.

9. Durante o experimento o ser humano deve ser mantido em condições de poder suspendê-lo.

10. O cientista deve suspender o experimento a qualquer tempo que o julgar capaz de incapacitar o paciente, lesá-lo ou matá-lo.



[recomendamos a leitura do artigo: “Bioética e Direitos Humanos” que se encontra em pdf ao lado direito do blog]

Referência Bibliográfica

MATURANA. Humberto. Emoções e Linguagem na Educação e na Política. Trad. José Fernandes Campos Forte. 3ª edição. Ed. UFMG. Belo Horizonte – MG. 2002.


terça-feira, 9 de agosto de 2011

OMNILATERALIDADE ?


# tendo em vista dúvidas sobre o nome do nosso espaço virtual, fizemos uso da explicação do professor Justino, que é muito esclarecedora.
Por Justino de Sousa Junior

O conceito de omnilateralidade é de grande importância para a reflexão em torno do problema da educação em Marx. Ele se refere a uma formação humana oposta à formação unilateral provocada pelo trabalho alienado, pela divisão social do trabalho, pela reificação, pelas relações burguesas estranhadas, enfim.

Esse conceito não foi precisamente definido por Marx, todavia, em sua obra há suficientes indicações para que seja compreendido como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista.

A unilateralidade burguesa se revela de diversas formas: de início a partir da própria separação em classes sociais antagônicas, base segundo a qual se desenvolvem modos diferentes de apropriação e explicação do real; revela-se ainda por meio do desenvolvimento dos indivíduos em direções específicas; pela especialização da formação; pelo quase exclusivo desenvolvimento no plano intelectual ou no plano manual; pela internalização de valores burgueses relacionados à competitividade, ao individualismo, egoísmo, etc. Mas, acima de tudo, a unilateralidade burguesa se revela nas mais diversas formas de limitação decorrentes do submetimento do conjunto da sociedade à dinâmica do sociometabolismo do capital. Nos Manuscritos de 1844, quando analisa a propriedade privada como aquilo em que se condensa a criação do trabalho humano alienado, e sua contribuição decisiva para a definição de uma base social em que se impõe a unilateralidade humana, Marx afirma:

La propiedadad privada nos há vuelto tan estúpidos y unilaterales, que un objeto solo es nuestro cuando lo tenemos y, por tanto, cuando existe para nosotros como capital o cunado lo poseemos directamente, cuando lo comemos, lo bebemos, lo vestimos, habitamos en él, etc., en una palabra, cuando lo usamos (Marx e Engels, 1987, p. 620).
A esse dado fundamental da unilateralidade humana corresponde o fato de que a dinâmica da vida social se submete a imperativos não determinados pelos indivíduos associados segundo um planejamento que observe acima de tudo as necessidades humanas mesmas. A dinâmica da vida social é determinada pelo movimento de valorização do capital, que submete os indivíduos, em geral, a agentes da sua ‘vontade’.
Embora não haja em Marx uma definição precisa do conceito de omnilateralidade, é verdade que o autor a ela se refere sempre como a ruptura com o homem limitado da sociedade capitalista. Essa ruptura deve ser ampla e radical, isto é, deve atingir uma gama muito variada de aspectos da formação do ser social, portanto, com expressões nos campos da moral, da ética, do fazer prático, da criação intelectual, artística, da afetividade, da sensibilidade, da emoção, etc. Essa ruptura não implica, todavia, a compreensão de uma formação de indivíduos geniais, mas, antes, de homens que se afirmam historicamente, que se reconhecem mutuamente em sua liberdade e submetem as relações sociais a um controle coletivo, que superam a separação entre trabalho manual e intelectual e, especialmente, superam a mesquinhez, o individualismo e os preconceitos da vida social burguesa.
O homem omnilateral não se define pelo que sabe, domina, gosta, conhece, muito menos pelo que possui, mas pela sua ampla abertura e disponibilidade para saber, dominar, gostar, conhecer coisas, pessoas, enfim, realidades – as mais diversas. O homem omnilateral é aquele que se define não propriamente pela riqueza do que o preenche, mas pela riqueza do que lhe falta e se torna absolutamente indispensável e imprescindível para o seu ser: a realidade exterior, natural e social criada pelo trabalho humano como manifestação humana livre.
Nos Manuscritos de 1844, especialmente, aparecem elementos fundamentais para a compreensão do conceito de omnilateralidade. É com base neles que se pode afirmar que o homem omnilateral equivale ao homem rico que Marx desenvolve no citado texto: “El hombre rico es al mismo tiempo, el hombre necesitado de uma totalidad de manifestaciones de vida humanas” (Marx e Engels, 1987, p. 624, grifos do autor). Aqui Marx discute a riqueza humana identificando-a à capacidade de desenvolver demandas humanas, isto é, a riqueza aqui diz respeito à carência de manifestações humanas não-fetichizadas: um homem é tanto mais rico quanto mais demanda manifestações humanas e “la más grande de las riquezas, (es) el otro hombre” (Marx e Engels, 1987, p. 624, grifo do autor).
O homem rico se define pela carência de um conjunto variado de manifestações humanas que o plenifiquem, nas quais se reconheça e pelas quais se constitui. Necessidades não determinadas pelo caráter de mercadoria, segundo a dialética de Marx, só poderiam nascer e serem amplamente satisfeitas em relações não-burguesas, em relações que ultrapassem o sistema de relações do capital.
Segundo o exposto, a omnilateralidade tem como condição a superação do capital ou, de acordo com os Manuscritos, da alienação e da propriedade privada:
La superación de la propiedad privada representa, por tanto, la plena emancipación de todos los sentidos y cualidades del hombre. (...) [Por sua vez], el hombre sólo deja de perderse en su objeto cuando éste se convierte para él en objeto humano o en hombre objetivo (Marx e Engels, 1987, p. 621, grifo do autor).
É na sua ação sobre o mundo que o homem se afirma como tal, no entanto, ele precisa atuar como um todo sobre o real, com todas as suas faculdades humanas, todo seu potencial e não como ser fragmentado, pois só assim ele poderá se encontrar objetivado como ser total diante de si mesmo.
Nos Grundrisse, mais uma vez, Marx apresenta elementos para a compreensão da omnilateralidade como riqueza do desenvolvimento humano amplo e livre, nos seguintes termos:
Ahora bien, qué es, in fact, la riqueza despojada de su estrecha forma burguesa, sino la universalidad, impulsionada por el intercambio universal de las necesidades, las capacidades, los goces, las fuerzas productivas, etc., de los individuos? Qué es sino el desarrollo total del dominio del hombre sobre las fuerzas naturales, tanto las de la naturaleza misma como las de la propia naturaleza humana; la absoluta potenciación [de su capacidad] por obra del esfuerzo de sus dotes creadoras, sin más premisa que el desarrollo histórico precedente, que lleva a convertir en fin en si esta totalidad del desarrollo, es decir, el desarrollo de todas las fuerzas humanas en cuanto tales, sin medirlo por uma pauta preestabelecida, y en que el hombre no se reproducirá como algo unilateral, sino como una totalidad; en que no tratará de seguir siendo lo que ya es o ha sido, sino que se incorporará al movimiento absoluto del devenir? (Marx, 1985, p. 345-346)
Nesse trecho evidencia-se a contradição entre a sociabilidade estranhada, com suas restrições e unilateralidades de um lado, e a universalidade, a totalidade do desenvolvimento humano e o devenir, de outro. Marx associa o que se pode chamar de omnilateralidade, que se opõe à unilateralidade burguesa, ao movimento do devenir, das novas relações emancipadas. Aqui aparece mais uma vez com clareza a idéia da universalidade, termo com o qual o conceito de omnilateralidade estabelece uma relação de correspondência.

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Omnilateralidade & politecnia

O conceito de omnilateralidade guarda relação com outro conceito marxiano importante para o problema da formação humana que é o de politecnia. O elemento fundamental de distinção entre os dois conceitos é justamente o fato de que a politecnia representa uma proposta de formação aplicável no âmbito das relações burguesas, articulada ao próprio momento do trabalho abstrato, ao passo que a omnilateralidade apenas se faz possível no conjunto de novas relações, no ‘reino da liberdade’. Como lembra Nogueira (1990, p. 129):



Para Marx, a educação politécnica não é utopia da criação de um indivíduo ideal, desenvolvido em todas as suas dimensões. Mas é antes, dialeticamente e ao mesmo tempo, uma virtualidade posta pelo desenvolvimento da produção capitalista e um dos fatores em jogo na luta política dos trabalhadores contra a divisão capitalista do trabalho...

A noção de politecnia, antes da formulação marxiana, surge nas experiências teóricas e práticas dos socialistas utópicos. Por sua vez, a noção de politecnia enquanto formação polivalente - ou pluriprofissional modo como Manacorda (1990) e Nosella (2006) nomeiam a noção de politecnia defendida pelo capital - em grande medida, é uma realidade imposta pelo próprio desenvolvimento da grande indústria. Em Marx, todavia, a proposta de politecnia adquire novos relevos. Para esse autor, ela era, acima de tudo, uma forma de se confrontar com a formação unilateral e os malefícios da divisão do trabalho capitalista. Ela representava a reunião de diversos aspectos que, uma vez associados, significariam uma formação mais elevada dos filhos dos trabalhadores em relação às demais classes sociais. Assim, a experiência do trabalho (em atividades diversas), associada aos estudos dos fundamentos teóricos do trabalho e à formação escolar, e ainda aos exercícios físicos e militares, representariam um salto na formação dos trabalhadores, pois imporiam fortes elementos contrários à empobrecedora formação decorrente das condições de trabalho capitalistas.

Os dois conceitos, no entanto, apesar de apresentarem esse traço distintivo, se complementam. Na verdade, não há uma dissociação do tipo: a politecnia se realiza no âmbito das relações burguesas ao passo que a omnilateralidade apenas se realiza com a superação destas relações. Ambas são realizações da práxis revolucionária que em graus diferentes se manifestam em diferentes estágios históricos da vida social. A omnilateralidade, por exemplo, é uma busca da práxis revolucionária no presente, desde sempre, embora sua realização plena apenas seja possível com a superação das determinações históricas da sociedade do capital. Elementos de ruptura para com as unilateralidades burguesas são exercitados cotidianamente por meio de relações diferenciadas com a natureza, com a propriedade, com o outro, com as crianças, com as artes, com o saber, por intermédio de relações éticas de novo tipo, etc. Porém, de maneira plena, como ruptura ampla e radical, a omnilateralidade só se realiza como práxis social, coletiva e livre, pois depende da universalização das relações não-alienadas entre os indivíduos, no intercâmbio com a natureza e no intercâmbio social em geral.

Já a politecnia é claramente uma proposta que toma como ponto de partida a contribuição dos socialistas utópicos e a observação do próprio movimento material da produção capitalista, que avança com a grande indústria.

A politecnia é proposta para se realizar no presente da opressão a que estão submetidos os trabalhadores com o propósito de a eles responder. A politecnia não almeja alcançar a formação plena do homem livre, mas a formação técnica e política, prática e teórica dos trabalhadores no sentido de elevá-los na busca da sua autotransformação em classe-para-si. Portanto, a politecnia não tem como condição para sua realização a ruptura ou superação das determinações históricas da sociedade do capital.

Entre politecnia e omnilateralidade há complexas mediações colocadas pelo cotidiano da vida social alienada e estranhada. É nesse cotidiano que atua a formação politécnica, potencialmente capaz de elevar as classes trabalhadoras a um patamar superior de compreensão de sua própria condição social e histórica. Aí atua a práxis revolucionária, principal ação político-pedagógica da formação do proletariado como sujeito social transformador. Nesse processo são gestados elementos que deverão ser consolidados - e que só podem ser consolidados com a superação da alienação e do estranhamento – no interior das novas relações não-estranhadas. Somente a partir dessas relações é possível a formação omnilateral.

Portanto, politecnia e omnilateralidade se complementam no processo desde a formação do sujeito social revolucionário até a consolidação do Ser social emancipado. Se a omnilateralidade como formação plena é impossível – senão de forma germinal - no seio das relações estranhadas da realidade do trabalho abstrato, é precisamente neste momento que a politecnia aparece como proposta de educação de grande importância, até que se consolidem as condições históricas de possibilidade de realização plena da omnilateralidade. A politecnia é a formação dos trabalhadores no âmbito da sociedade capitalista que, unida aos outros elementos da proposta marxiana de educação, deve encontrar o caminho entre a existência alienada e a emancipação humana em que se constrói o homem omnilateral.

Manacorda (1991), dentro da sua rica contribuição para o estudo do problema da educação em Marx, apresenta uma possibilidade diferente de entendimento do conceito de omnilateralidade. Para o autor, por exemplo, não aparece claramente estabelecida a distinção apontada aqui entre omnilateralidade e politecnia ou educação tecnológica, como ele prefere.

A própria consideração das condições históricas para a realização da omnilateralidade não aparece claramente estabelecida. Nos Manuscritos de 1844, essas condições históricas aparecem nos seguintes termos:
Así también la superación positiva de la propiedad privada, es decir, la apropriación sensible de la esencia y la vida humanas, del hombre objetivo, de las obras humanas para e por el hombre, no debe concebirse simplemente en el sentido del poseer o del tener. El hombre se apropia su esencia omnilateral de un modo omnilateral, es decir, como un hombre total. Cada uno de sus comportamientos humanos ante el mundo, la vista, el ódio, el olfato, el gusto, el tacto, el pensar, el intuir, el percibir, el querer, el actuar, el amor, en una palabra, todos los órganos de su individualidad, como órganos que son inmediatamente en su forma en cuanto órganos cumunes, representan, en su comportamiento objetivo o en su comportamiento hacia el objeto, la apropiación de éste. La apropiación de la realidad humana, su comportamiento hacia el objeto, es el ejercicio de la realidad humana” (Marx e Engels, 1987, p. 620, grifos do autor).
Quanto ao exposto, vejamos o que afirma Manacorda (1991, p. 82) a respeito de um comentário elogioso de Marx, presente n’O Capital, em relação a John Bellers, por ter este autor defendido desde os fins do século XVII a superação da educação e da divisão do trabalho da época por formarem indivíduos limitados:

Eis aí um homem educado com doutrinas não ociosas, com ocupações não estúpidas, capaz de livrar-se da estreita esfera de um trabalho dividido. Trata-se do tipo de homem onilateral que Marx propõe, superior ao homem existente...
Ora, como se observa claramente, o destaque de Manacorda está na ‘educação em doutrinas não ociosas’, nas ‘ocupações não estúpidas’ e na ‘estreita esfera do trabalho dividido’, portanto, em dimensões dos campos do ‘fazer’ e do ‘saber’ que não necessariamente rompem com a sociabilidade estranhada. O indivíduo alienado/estranhado pode alcançar tudo isso a que Manacorda se refere mesmo sem atingir o ponto mais elevado da condição do homem livre que se reconhece no seu trabalho e na ampla coletividade livre.
Os comentários elogiosos de Marx a indivíduos dotados de talento criativo especial muitas vezes são tomados como referência de modelos de formação, por exemplo, quando Marx enaltece o relojoeiro Watt, o barbeiro Arkwright e o artífice de ourivesaria Fulton por terem descoberto, respectivamente, a máquina a vapor, o tear e o navio a vapor (Marx, 1989, p. 559). Esse reconhecimento da capacidade inventiva acima da média ou ao talento especial está longe de caracterizar uma formação omnilateral.

Esse tipo de capacidade criativa individual sempre existiu na história da humanidade. Em todas as épocas houve homens e mulheres cuja competência inventiva ultrapassava a média de seu tempo, mas não é a isto que se refere o conceito de omnilateralidade de Marx, ele remete ao campo vasto, complexo e variado das dimensões humanas: ética, afetiva, moral, estética, sensorial, intelectual, prática; no plano dos gostos, dos prazeres, das aptidões, das habilidades, dos valores etc., que serão propriedades da formação humana em geral, desenvolvidas socialmente, portanto, não correspondem à genialidade de um indivíduo desenvolvido num determinado sentido especial ou ainda que seja em sentidos diversos.
Na consideração de Manacorda o conceito de omnilateralidade representa uma formação mais ampla, mais avançada, mas não antagônica ao metabolismo do capital, por isto, talvez, não haja necessidade da consideração das premissas materiais da construção do homem omnilateral - a criação de novas bases sociais que permitam o livre desenvolvimento das potencialidades humanas.
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Para saber mais

MANACORDA, M. A. Marx e a Pedagogia Moderna. São Paulo: Cortez, 1991.
MARX, K. O Capital - Para a Crítica da Economia Política. 13a ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989, 6 vols.
________. Grundrisse 1857-1858. In: MARX e ENGELS. Obras fundamentales. México - DF: Fondo de Cultura económica, 1985, vols. 6-7.
MARX e ENGELS. Escritos de juventud. In: MARX e ENGELS Obras fundamentales:. 1ª. Reimpresión. México - DF: Fondo de Cultura Econômica, 1987, vol. 1.
NOGUEIRA, M. A. Educação, saber, produção em Marx e Engels. São Paulo: Cortez, 1990.
NOSELLA, P. Trabalho e perspectivas de formação dos trabalhadores: para além da formação politécnica. I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores. Fortaleza, Universidade Federal do Ceará, 07 a 09 de setembro de 2006.
SAVIANI, D. Trabalho e Educação – Fundamentos histórico- ontológicos da relação trabalho e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, Anped, v.12, n.34, jan.-abr., 2007
SOARES, R. Entrevista com Mário A. Manacorda. Revista Novos Rumos. Ano 19, nº. 41, 2004.
SOUSA Jr., J. de. Sociabilidade e Educação em Marx. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação da UFC, Fortaleza, 1994.
________. Politecnia e onilateralidade em Marx. Trabalho & Educação. Belo Horizonte: NETE, jan/jul, 1999, n. 5, p. 98-114.



terça-feira, 19 de julho de 2011

POLÍTICA: Memória,Narração e Imortalidade.

Ricardo George 


Aqui temos três importantes categorias para compreender o esquema epistêmico com o qual Hannah Arendt apresenta a política, quais sejam: a memória, que tem a ver com a história; a narração, que tem a ver com a possibilidade de resgatar os eventos; e a imortalidade, que coloca a ação no mundo concreto, tornando os homens seres capazes de continuidade no tempo. Se bem observarmos, perceberemos que há uma ligação entre as categorias, na qual uma possibilita a outra. Isso parece evidenciar-se quando notamos que, para a narração ocorrer, temos de fazer uso da memória. Assim, a imortalidade se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória e pela narração.
A noção que teria de ser superada, nesse contexto, é a noção de eternidade, tendo em vista que a mesma lança fora dos negócios humanos toda e qualquer ação, isto é, o que vale para o princípio da eternidade é aquilo que se vai conquistar em outra dimensão, como, por exemplo, na contemplação, não sendo preciso deixar nada aos pósteros, não importando legar nenhuma forma de permanência e de imortalidade. Em outras palavras, a experiência do eterno conduz os indivíduos a uma experiência singular, portanto, diretamente antagônica à pluralidade.[i] Esta não teria maior significado no esquema que se estruturasse no eterno.
Tudo isso mostra a clara distinção entre vida ativa e vida contemplativa, ou seja, entre um modus vivendi encarnado na vida concreta, na teia de relações humanas, e outro situado fora disso:
O fator decisivo é que a experiência do eterno, diferentemente da experiência do imortal, não corresponde a qualquer tipo de atividade nem pode nela ser convertida, visto que até mesmo a atividade do pensamento, que ocorre dentro de uma pessoa através de palavras, é obviamente não apenas inadequada para propiciar tal experiência, mas interromperia e poria a perder a própria experiência (ARENDT: 2001 p. 29).
           
Concluímos que a contemplação é a grande estrutura de demonstração da experiência do eterno, indo de encontro à imortalidade, na media em que a teoria se apresenta contrária à ação. A descoberta do eterno pelos filósofos os tirou da polis e os puseram em dúvida em relação à mesma. Estes optaram pelo confinamento no mundo da theoria, da contemplação, em detrimento da vida política e imortal da polis.
A opção de Hannah Arendt por narrar os fatos, isto é, contar “histórias” se dá na proporção em que ela percebe não mais ser possível explicar o novo que acomete o contexto político de então. O totalitarismo aparece, e a tradição não tem categorias suficientes para explicá-lo, visto que o mesmo não é fruto de evento político do passado nem, muito menos, uma nova versão da tirania ou do absolutismo, mas é uma novidade política que, nas palavras de Bruehl, provocou uma verdadeira “diáspora mental”, ou seja, conduziu a todos a uma encruzilhada que não tinha mais a direção conceitual segura para trilhar, mas colocou em crise a tradição, seus conceitos, suas doutrinas e sua verdade. Para Hannah Arendt, a saída é contar “histórias” e narrar fatos. Não há espaço no presente contexto para uma explicação essencialista ou universalista. O filósofo, nesse contexto, tem de se tornar um storyteller, pois não adianta mais partir de uma universalidade dada aprioristicamente, uma vez que o sentido só emergirá na medida em que o pensamento se debruçar sobre os acontecimentos (AGUIAR, In: BIGNOTTO; JARDIM, 2003, p. 216.)
            A narração, nesse contexto, surge como protagonista do processo de compreensão dos eventos na busca de entender o que foi vivido e, isso, é mais forte do que a busca por conceitos prontos, aprioristicamente dados.
Em outras palavras, as experiências vividas só podem ser equacionadas no nível do particular, ou seja, cada experiência como única carece de uma narração singular. As explicações universalistas perdem nesse contexto, espaço e sentido. A saída que Arendt encontrou foi narrar à experiência, isto é, buscou o recurso da memória e da narração para exaltar a natalidade e contrapor-se à mortalidade trazida pela experiência totalitária. Exalta-se a natalidade na medida em que a narração dos fatos constrói sentido para as novas gerações que se inserem em um mundo pronto, formatado. Contudo, a partir do que recebem, irá transformá-lo. Sendo assim, narrar esses eventos é também demonstrar a importância de se preservar o mundo público, de se preservar a ação e a vida plural.
A posição da ação no pensamento de Arendt, não é pensada a partir de um padrão, o que fez com que a autora compreendesse o seu trabalho como uma narrativa do grande “jogo do mundo”. Contar a ”história” é a única maneira de a ação permanecer na memória dos homens e de os feitos e as palavras humanas adquirirem dignidade por parte do pensamento. Ao se transformar numa storyteller, Arendt rejeita a posição de um ponto de vista arquimediano, como uma postura apropriada para o ato de filosofar e nos insere em um pensamento “narracional”, como o seu modus Philosophandi. Na figura do filósofo como storyteller, há um crescimento da importância do juízo para se compreender o filosofar em Arendt. O pensamento entendido como juízo ligado às circunstâncias mundanas libera o filósofo da tarefa de tematizar o absoluto – os princípios constitutivos de tudo ou o ser, de um ponto de vista arquimediano – e abre a vereda para a compreensão dos caóticos acontecimentos mundanos, isto é, viabiliza a transformação do filósofo em storyteller.
O pensamento “narracional” é o meio que o pensador encontra para lidar com os eventos quando os cânones da historiografia, da metafísica e do pensamento político perderam a capacidade de iluminar o que está acontecendo. Na ausência de padrões confiáveis, passa-se a invocar as próprias experiências como base de análise. Poderíamos dizer que Arendt desenvolve uma concepção de filosofia como storytelling, a habilidade de reter as experiências. Essa abertura do pensamento para experiência é que está na idéia de um “pensar apaixonado”, no qual a vida do espírito deita suas realizações mais importantes, não se dedicando às questões últimas, metafísicas, como nos antigos, mas no desinteressado prazer de julgar os acontecimentos. Nesse aspecto, o filósofo não está na companhia dos deuses, mas segue um percurso amplamente trilhado pelos historiadores, poetas e narradores (AGUIAR, In: BIGNOTTO; JARDIM, 2003, p. 218-219).
Por fim, parece-nos evidente a harmonia na conjugação das categorias aqui expostas: a memória, a narração e a imortalidade. Essa harmonia é possível por garantir o espaço público, isto é, um mundo politicamente organizado. Sendo assim, as ações dos indivíduos podem ser imortalizadas nos seus feitos e garantidas pela narração de memórias, em que ser imortal é, sobretudo, possibilitar a vida plural no espaço público. Desse modo, a delimitação do público e do privado vem à tona como reforço da ação garantida pela equivalência entre o discurso e a ação.


[i] A posição de Hannah Arendt visa demonstrar o quanto a eternidade é uma categoria alheia aos negócios humanos, o exemplo dado por Arendt é o da alegoria da caverna onde o filósofo, tendo-se libertado dos grilhões que o prendiam aos seus semelhantes, emerge da caverna. Põe-se, assim, em perfeita “singularidade”, nem acompanhado nem seguido de outros. Politicamente falando, se morrer é o mesmo que “deixar de estar entre os homens”, a experiência do eterno é uma espécie de morte. (ARENDT: 2001  p. 29)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

profª. Amanda Gurgel - sinônimo de coerência.

Prezados Leitores e seguidores do Omnilateral, lembram da Prof. Amanda Gurgel e, seu contundente discurso na Assembléia Legislativa de Natal-RN, durante a greve dos professores daquele Estado. Pois tal postura lhe rendeu um prêmio. O que ela   fez dele? o transformou em coerência!! LEIAM sua carta ao juri e a organização que  concedeu o Prêmio. ( caso alguém não tenha visto o vídeo com o discurso - antes de lê a resposta ao prêmio - veja o vídeo - o mesmo se encontra a direita da página do blog no link vídeos.)

Entidade que a premiou - O PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais  
Evento: 19º Prêmio Brasileiros de Valor 2011 – Por um Brasil Ético e Eficiente.
Categoria: Eleita como “Educadora de Valor”, pela “manifestação contra a incúria do governo em relação à educação e aos maus tratos aos seus protagonistas, demonstrando corajosamente toda a sua indignação aos governantes”. 
Em carta, Amanda Gurgel explica seus motivos.

“Natal, 02 de julho de 2011"

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,
Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.
A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.
Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.
Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.
Saudações,
Professora Amanda Gurgel”.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Cidade como experiência de um lugar.

 Ricardo George

Quando pensamos a cidade pensamos em um conceito fundamental, relacionados a ela, a saber: o conceito de lugar. Conceito este que fala do local em que nascemos, ou escolhemos para  viver, ou ainda, que nos acolheu nas circunstâncias da vida . "Lugar", é um conceito  espacial que durante longo  tempo foi utilizado  pelos geógrafos para expressar o sentido  locacional de um determinado sítio. Durante  longo tempo negado por muitas correntes de pensamento cientifico da geografia até que  a geografia humanista resolveu  fazer uso da palavra lugar como um conceito científico. De fato, esse foi um dos conceitos fundamentais para os propósitos dessa corrente, interessada em pesquisar as relações subjetivas do homem com o espaço e o ambiente. O conceito de lugar é apropriado para esse tipo de pesquisa por dizer respeito aos espaços vivenciados pelas pessoas em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo, convivência familiar, etc. Por esse motivo, a geografia humanista define o lugar como uma forma de experiência humana, “um tipo especial de vivência do espaço”.
Milton Santos, pensador da Geografia crítica, conferiu importância teórica ao conceito de lugar ao longo do tempo. No livro A natureza do espaço, esse autor fala sobre a “força do lugar” e o qualifica como um espaço produzido por duas lógicas, a saber, a das vivências cotidianas das pessoas e a dos processos econômicos, políticos e sociais que constituem a globalização. Embora Milton Santos o faça com um olhar crítico, pois evidencia o lugar em relação com a globalização, que por muitas vezes é cruel com o modo de vida dos habitantes dos diversos lugares.
Todavia, minha intenção ao chamar o titulo desse artigo de “cidade” e tratá-lo a partir do conceito de lugar, recai sobre o zelo que devemos ter com o lugar em que vivemos. Urge a necessidade de um sentimento de cuidado com a natureza, com as ruas com as praças com a rede de serviço, mas, sobretudo, com as pessoas. Seguindo a lógica da Geografia humanista devemos valorizar as relações subjetivas com o espaço. A final, cada um entende e se relaciona com o lugar de maneira muito própria, e isto deve ser respeitado e cuidado por todos desde o poder público, aos mais diversos moradores do lugar. E de um modo geral devemos no mínimo ser gratos pelas formas de experiência humana que o lugar nos proporciona.
Aqui quero deixar minha imensa gratidão a Serra Talhada, a sua gente, a sua cultura, a sua culinária, a sua religiosidade, em fim, a seu modo de viver. Serra Talhada foi o lugar que as circunstâncias da vida me levaram a habitar, com minha família pelos últimos dois (02) anos. Uma experiência rica. Marcada de dores e alegrias, de sofrimento e aprendizagem e, sobretudo de intensa experiência da “força do lugar” com se referiu Milton  Santos em sua obra. Agora, depois de dois anos, deixo Serra Talhada, para ir ao encontro de outro Lugar. Eu e minha família viveremos novas experiências subjetivas com o novo espaço/lugar. Contudo, fica o respeito e, sobretudo, a gratidão da convivência com Serra Talhada.
Por fim, deixo registrado o apelo para o zelo e cuidado com o lugar em que vivemos, é preciso cuidar da vida cuidando do lugar, desde a estrutura do cimento armado até as relações que travamos cotidianamente. A Final o lugar é bojo onde está habitando nossa felicidade ou não. Portando, cuidemos do nosso Lugar. Obrigado a todos pela acolhida.

sábado, 18 de junho de 2011

Fábula da Escola Brasileira - Para refletir e criticar

 Ricardo George

Em um continente não muito distante daqui, havia um mundo encantado chamado escola, era um mundo de população densa onde sua massa chamava-se alunos e seus dirigentes professores.
            Certo dia, conversando sobre suas dificuldades, os gestores do mundo escola resolveram mudar seus nomes para ministros, na esperança de obterem respeito da população alunos. Surgiu então o ministro das matemáticas, e esse por sua vez não admitia erros no decurso da resolução de seus problemas e dizia: “Ou sabe de tudo ou não sabe de nada”. E sentia-se bem em distribuir á população de alunos notas baixas acreditando assim ter controle da situação, e quando questionado retrucava: “A população de alunos é indolente, a culpa é deles.” Por sua vez, o ministro das letras, das Humanas e das Ciências seguiam a mesma postura e, ainda criavam leis arbitrarias e coercitivas tipo: “ se existir conversas em nossas explanações, na próxima será prova.” E a prova era para eles, gestores o principal instrumento de poder e dominação, era através dela que eles evitavam as rebeliões e motins.
            Até que certo dia chega ao mundo encantado escola um senhor chamado educador que passa a ensinar com o seu jeito simples, porém com o domínio do que falava, seus ensinamentos despertavam a população de alunos com suas explanações sempre convidativas e abertas a questionamentos, de modo que a condução do processo sempre estava nas suas mãos, embora aberto a todos. Isso incomodou os ministros que passaram a questioná-lo e diziam:
-          Caro senhor educador, estás levando esses indolentes à rebeldia, se não aprendem é porque não se esforçam
-          Acaso lembram ilustres gestores, como ai chegaram, digo; a tal posição.
Eles confusos conversavam como se buscassem uma resposta complexa, para algo simples e com um olhar de surpresa disseram: sendo alunos! E daí?
E daí que vocês devem lembrar-se dos mestres arbitrários, donos do poder, fechados em seu saber de que tanto vocês reclamaram. Contudo, hoje reproduzem sua prática, há uma saída, reproduzir ou transformar.
-          Como assim transformar?
-          Transformar vendo as avaliações como mecanismos na formação de seus alunos e não como um instrumento de poder. Transforma entendendo suas conversas paralelas como algo a ser aproveitado na inteligência verbal, por isso trabalhado e não reprimido.
-          Transformar entendendo que sua apatia pode ser fruto de aulas frias e distantes, despossuídas de seus interesses e cheias daquilo que vocês gestores acreditam ser a verdade.
Então enfurecidos os ministros disseram:
-É um sonhador subversivo que pretende mudar a ordem com palavras sem soluções, mostre-nos respostas certas e rápidas.
E o educador calmo e sereno respondeu:
-          Não há respostas certas e rápidas, é preciso entender que se essas existissem nossa função de educador perderia o sentido, teríamos que buscar outra missão. Portanto, é preciso ter claro que a missão de educar é caminhar em busca das respostas aos problemas e dificuldades que o ensinar exige, apenas com a certeza de que o alvo é o aluno e não o saber isolado. Não se educa sabendo, constrói-se o saber no dia – a – dia das cidades chamadas salas de aulas.
Essas palavras sensibilizaram a muitos ministros que mudaram seu prisma em relação à educação e transformaram seus nomes de ministros para educadores acreditando aproximar-se assim, mais de seus alunos.
As dificuldades continuavam. Muitas perguntas continuavam ainda sem resposta. Contudo, o mundo encantado escola tornou-se real, pois educadores já não tinham a ilusão de ensinar com respostas prontas e rápidas e sem dificuldades e com alunos motivados. Mas descobriram que dar respostas e motivar era seu papel, e de forma gradativa e continuada eles transformavam a escola e entendiam a diferença entre o educador reprodutor e transformador. (Texto publicado no Jornal do Educador de Maracanaú e No Jornal Tribuna do Ceará, ambos em 2000)

MORAL DA HISTÓRIA: Educação não é fantasia. É uma realidade, que precisa ser encarada para se buscar respostas transformadoras a seus desafios.




quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sobre a Educação Burguesa e Elitista

Olá a todos! com a reprodução deste fragmento de texto queremos apenas oportunizar exercicio de Reflexão e crítica. Apenas provocar o pensamento. Comentem, se sentirem-se livres para isso!

" A chave dessa educação burguesa é o preconceito. O Estado, exatamente pelo mesmo processo usado com os soldados, vai gravando, à força de repetições, sem demonstrações ou com argumentos falsos, certas ideias capitais, favoráveis ao regime burgês, no cérebro das crianças, dos adolescentes, dos adultos. Essas ideias, preconceituosas, vão se tornado, pouco a pouco, verdadeiros dogmas indiscutiveis, perfeitos ídolos subjetivos.(...) Essa idolatria embute no espirito infantil os chamados deveres cívicos: obediência às instituições, obediência as leis, obediênicia aos superiores hieráquicos, reconhecimento da propriedade particular, intangibilidade dos direitos adquiridos, amor da pátria até o sacrificio da vida, culto à bandeira, exercício do voto, necessidade dos parlamentos, tribunais, força armada... - Palavras de José Oiticica -

[Doutrina anarquista ao alcance de todos, 2 ed. São Paulo, Econômica, 1983,p. 30. apud Silvio Galo, Educação anarquista: um paradigma para hoje. Piracicaba, Unimep, 1995, p. 114]

terça-feira, 31 de maio de 2011

Entrevista com OTFRIED HOFFE - Filósofo Alemão, professor de Tübingen

Horizonte amplo é trunfo de pensadores alemães, diz o filósofo do direito Otfried Höffe

Otfried Höffe


Interesse por outros territórios culturais e linguísticos, interdisciplinaridade, mediação entre o analítico e o transcendental: estas são algumas virtudes dos filósofos alemães, segundo o catedrático de Tübingen.
Otfried Höffe é professor titular de filosofia na Universidade de Tübingen, e conhecido como um dos maiores expoentes, na Alemanha, da Filosofia Política, que enfoca o Estado e o direito, e da Filosofia Moral.
Estudioso das obras de Aristóteles e Immanuel Kant, dedica-se também a temas como Teoria do Conhecimento e Ética Aplicada (bioética, ética econômica, ética da ecologia, etc.). Autor de diversos livros e artigos, seu trabalho se destaca especialmente pela defesa de um debate intercultural e de uma ordem jurídica que, segundo ele, deve ser de natureza global, federal e subsidiária às ordens jurídicas nacionais.
Defensor da aplicação das filosofias de Aristóteles e Kant a diversos problemas atuais, o professor Höffe pensa que o estudo da filosofia deve possuir uma dimensão histórico-sistemática mais séria. Na entrevista à Deutsche Welle, ele explica algumas características de seu trabalho e da filosofia na Alemanha.

ENTREVISTA.

Deutsche Welle: Para que precisamos da filosofia ainda hoje, ou especialmente hoje?

Otfried Höffe: A filosofia se debruça sobre questões fundamentais de todo o nosso mundo, seja o mundo natural, o social ou o da linguagem. Ela se volta tanto para a vida cotidiana como para a política, a ciência, a medicina e a técnica, bem como para a música, a literatura e a arte. O contemporâneo atento vê em todas essas áreas uma quantidade tal de problemas, que a filosofia é altamente solicitada, das mais diversas maneiras.
Aqui apenas alguns exemplos: 1) Como se pode imaginar o universo antes do Big Bang? De onde vem o que existia antes dele? 2) A neurociência coloca em questão a liberdade e a responsabilidade humana? 3) Como é possível uma coexistência pacífica de culturas diferentes? 4) Como tornar humanas as megalópoles, do ponto de vista arquitetônico e social? 5) A partir de que ponto se pode dizer que a vida humana dispõe da proteção total da dignidade e dos direitos humanos?

Quais são as tendências da filosofia, mais especificamente da filosofia do direito, hoje na Alemanha?

Os temas focais na Alemanha são, por um lado, a história da filosofia em suas diferentes épocas e suas figuras de destaque – em especial Platão e Aristóteles, Kant e o Idealismo alemão, sem que se esqueçam a Alta Antiguidade e a Idade Média, o começo da Era Moderna, os clássicos anglo-americanos ou Arthur Schopenhauer, Friedrich Nietzsche, Edmund Husserl e Martin Heidegger.
Por outro lado, existe uma filosofia sistemática não menos intensiva e multifacetada. Entre esses dois lados há ligações estreitas, visto que um pensamento sistemático inteligente se faz inspirar pela consciência de problemas que tiveram seus predecessores, e portanto procura um diálogo com eles, em vez de se contentar com a consciência de problemas de seus contemporâneos, por vezes um tanto fortuita.
Focos da filosofia sistemática são, por exemplo, a teoria do conhecimento e a filosofia da mente, incluindo uma teoria das emoções e a análise diferencial da inteligência humana e animal. O amplo campo da filosofia prática é discutido com especial intensidade. Na ética (fundamental) discute-se o relacionamento entre eudaimonia (felicidade) e autonomia, além da fundamentação do direito, do Estado e de uma ordem jurídica global; por fim, discutem-se tópicos da ética aplicada, como a ética econômica e, mais ainda, a ética médica.
Alguns dos filósofos mais jovens são mais familiares com a tradição anglo-americana do que com as tradições alemãs, francesas ou da Antiguidade. Contudo os mais inteligentes entre eles não se curvam diante desse novo grande provincianismo – em geral, tematicamente estreito e de abordagem empírica. Eles são plenamente capazes de argumentar analiticamente, sem, no entanto, renunciar às constatações da filosofia transcendental, da fenomenologia ou da hermenêutica.
Como a filosofia apela à razão e experiência comuns a todos os humanos, ela está atada a um espaço linguístico e cultural, num sentido essencial. Do mundo germanófono derivam algumas correntes filosóficas de importância extraordinária, e pensadores excepcionais. Felizmente eles se tornaram, em razão de sua excelência, um bem comum do patrimônio filosófico global. Os textos e pensamentos de Gottfried Leibniz, Immanuel Kant e dos filósofos idealistas alemães, especificamente de Friedrich Hegel, além de Schopenhauer, Nietzsche, Husserl e Heidegger, assim como da Escola de Frankfurt, de Ludwig Wittgenstein e do positivismo lógico, são estudados e cultivados em muitos lugares do mundo.

Pode-se falar ainda hoje de uma filosofia alemã e, caso positivo, como distingui-la? Onde o senhor vê diferenças em relação a outros colegas europeus e norte-americanos?

Se sob "filosofia alemã" entendermos o pensamento praticado pelos filósofos na Alemanha e no grande espaço germanófono, o que caracteriza os mais inteligentes entre eles é: não tomarem apenas conhecimento dos textos e dos colegas em seu próprio território linguístico; terem um horizonte histórico-filosófico e sistemático bastante amplo (em virtude mesmo da prática ainda dominante da livre-docência), em vez de se entregar a uma superespecialização; estarem bem preparados para a cooperação interdisciplinar, ao menos devido à exigência de uma cadeira não filosófica, no mínimo, dentro do atual curso de Magister; por fim, mediarem criativamente entre o assim chamado "pensamento analítico" – atualmente dominante, em nível global – e o pensamento transcendental-filosófico, fenomenológico ou hermenêutico.

A Alemanha é ainda a terra da filosofia?

Uma coisa, pelo menos, é verdade: a filosofia está em grande demanda na Alemanha, de diversos pontos de vista. Foram publicados muitos textos filosóficos (livros, artigos em revistas e ensaios em grandes diários e semanários). Os filósofos estão desproporcionalmente bem representados nos debates públicos. O número de estudantes de Filosofia cresce, e os melhores entre eles são excelentes. Especialistas em Literatura, teólogos, juristas, etc., escolhem com frequência a Filosofia como disciplina complementar ou adicional. Os doutorandos e docentes de Filosofia alemães são muito bem-vindos no exterior.

Através de que o seu trabalho se diferencia do de outros filósofos alemães?

De fato, há algumas particularidades. Entre outras coisas, eu trato dos temas da filosofia prática em toda sua amplitude, desde as reflexões fundamentais – tanto éticas como da Teoria da Ação –, passando pela fundamentação do Direito e do Estado, até o vasto campo da ética aplicada, com ênfase na ética científica, técnica, ambiental, econômica e, acima de tudo, na ética biomédica. Para tal, claro, é sempre preciso se informar sobre cada um dos setores em questão.
Filósofo do direito em sua bibliotecaTambém pouco usual é o fato de eu, sobretudo na ética, recorrer à sabedoria de vida da grande literatura.
No âmbito da reflexão fundamental ética, não vejo a ética da eudaimonia (felicidade) de Aristóteles e a ética da autonomia de Kant como alternativas opostas. Antes, valorizo as múltiplas convergências e complementações, sem por isso nivelar as diferenças fundamentais; além disso mantenho-me aberto à crítica moral, da qual Friedrich Nietzsche é o ápice.
Na filosofia prática (que inclui a filosofia do direito e do Estado), dedico-me à tarefa negligenciada – desde John Rawls até Jürgen Habermas – de legitimar a autoridade coerciva relacionada aos poderes públicos.
Em nossos tempos de globalização, considero imprescindível o diálogo intercultural. Em um de meus livros, contemplo pensadores muçulmanos e judeus, indianos e chineses; em outro reúno textos de praticamente todas as épocas e culturas, inclusive discursos interculturais sobre o Direito, por exemplo, sobre a legitimação de uma ordem jurídica global federal e subsidiária.
Ao contrário da tendência de se dedicar à história sem interesses sistemáticos, mas sem explorar uma dimensão histórico-filosófica profunda, procuro uma inspiração recíproca. Ademais, levo a sério a ideia de uma filosofia verdadeiramente prática e política, e me envolvo, modo philosophico, nos debates públicos.

Como o senhor vê o trabalho da filosofia antiga nos dias de hoje? Aristóteles continua sendo sempre atual?

A filosofia, entendida como uma reflexão conceitual-argumentativa, começa com os gregos e logo alcança um tal nível de rigor conceitual, de poder analítico, profundeza especulativa e é tão saturada de experiência, que a filosofia antiga, especificamente Aristóteles, permanece um modelo raramente alcançado e quase nunca suplantado.
A atualidade de Aristóteles é tão vasta, que aqui só se podem dar uns poucos exemplos. Em primeiro lugar, citem-se as quatro máximas metódicas: assegurar os fenômenos, trabalhar nas dificuldades, reconhecer a ambiguidade dos conceitos filosóficos básicos e registrar pontos de vista alheios. São exemplares a flexibilidade e tolerância teórico-científica de Aristóteles, assim como sua excepcional curiosidade temática, que se volta sobre todo o mundo natural, social e cultural-linguístico.
Até hoje são atuais as análises de Aristóteles, por exemplo, sobre a ação responsável, a justiça, a amizade e o prazer, a antropologia política, a ambiguidade do governo e sobre as formas de Estado, incluídos os fatores da estabilidade e instabilidade.

A justiça é o tema principal da filosofia do direito? O direito é ainda uma ciência da justiça?

Não em essência, mas do ponto de vista normativo, a justiça é o tema principal da filosofia prática. Desde a positivação e codificação do Direito – um processo também impulsionado por argumentos de justiça – a jurisprudência é, numa proporção mínima, uma ciência da justiça.
De uma jurisprudência científica também faz parte uma clarificação de fundamentos, no âmbito da qual as questões relativas à justiça exercem um papel imprescindível: Por que deve existir o direito? Por que um poder coercivo faz parte do direito? Por que a separação dos poderes públicos? Por que devem existir instituições fundamentais, tais como os direitos humanos inalienáveis e a propriedade privada? Por que a relação entre os Estados também deve ser juridicamente regulada e, por conseguinte, se deve estabelecer uma ordem jurídica global (federal e subsidiária)?

Entrevista: Pedro Proscurcin Jr.
Revisão: Augusto Valente
Fonte original: http://www.dw-world.de/dw/article/0,,15104766,00.html , acesso em 31/05/2011