terça-feira, 19 de julho de 2011

POLÍTICA: Memória,Narração e Imortalidade.

Ricardo George 


Aqui temos três importantes categorias para compreender o esquema epistêmico com o qual Hannah Arendt apresenta a política, quais sejam: a memória, que tem a ver com a história; a narração, que tem a ver com a possibilidade de resgatar os eventos; e a imortalidade, que coloca a ação no mundo concreto, tornando os homens seres capazes de continuidade no tempo. Se bem observarmos, perceberemos que há uma ligação entre as categorias, na qual uma possibilita a outra. Isso parece evidenciar-se quando notamos que, para a narração ocorrer, temos de fazer uso da memória. Assim, a imortalidade se impõe como aquilo que está sendo perpetuado no tempo pela memória e pela narração.
A noção que teria de ser superada, nesse contexto, é a noção de eternidade, tendo em vista que a mesma lança fora dos negócios humanos toda e qualquer ação, isto é, o que vale para o princípio da eternidade é aquilo que se vai conquistar em outra dimensão, como, por exemplo, na contemplação, não sendo preciso deixar nada aos pósteros, não importando legar nenhuma forma de permanência e de imortalidade. Em outras palavras, a experiência do eterno conduz os indivíduos a uma experiência singular, portanto, diretamente antagônica à pluralidade.[i] Esta não teria maior significado no esquema que se estruturasse no eterno.
Tudo isso mostra a clara distinção entre vida ativa e vida contemplativa, ou seja, entre um modus vivendi encarnado na vida concreta, na teia de relações humanas, e outro situado fora disso:
O fator decisivo é que a experiência do eterno, diferentemente da experiência do imortal, não corresponde a qualquer tipo de atividade nem pode nela ser convertida, visto que até mesmo a atividade do pensamento, que ocorre dentro de uma pessoa através de palavras, é obviamente não apenas inadequada para propiciar tal experiência, mas interromperia e poria a perder a própria experiência (ARENDT: 2001 p. 29).
           
Concluímos que a contemplação é a grande estrutura de demonstração da experiência do eterno, indo de encontro à imortalidade, na media em que a teoria se apresenta contrária à ação. A descoberta do eterno pelos filósofos os tirou da polis e os puseram em dúvida em relação à mesma. Estes optaram pelo confinamento no mundo da theoria, da contemplação, em detrimento da vida política e imortal da polis.
A opção de Hannah Arendt por narrar os fatos, isto é, contar “histórias” se dá na proporção em que ela percebe não mais ser possível explicar o novo que acomete o contexto político de então. O totalitarismo aparece, e a tradição não tem categorias suficientes para explicá-lo, visto que o mesmo não é fruto de evento político do passado nem, muito menos, uma nova versão da tirania ou do absolutismo, mas é uma novidade política que, nas palavras de Bruehl, provocou uma verdadeira “diáspora mental”, ou seja, conduziu a todos a uma encruzilhada que não tinha mais a direção conceitual segura para trilhar, mas colocou em crise a tradição, seus conceitos, suas doutrinas e sua verdade. Para Hannah Arendt, a saída é contar “histórias” e narrar fatos. Não há espaço no presente contexto para uma explicação essencialista ou universalista. O filósofo, nesse contexto, tem de se tornar um storyteller, pois não adianta mais partir de uma universalidade dada aprioristicamente, uma vez que o sentido só emergirá na medida em que o pensamento se debruçar sobre os acontecimentos (AGUIAR, In: BIGNOTTO; JARDIM, 2003, p. 216.)
            A narração, nesse contexto, surge como protagonista do processo de compreensão dos eventos na busca de entender o que foi vivido e, isso, é mais forte do que a busca por conceitos prontos, aprioristicamente dados.
Em outras palavras, as experiências vividas só podem ser equacionadas no nível do particular, ou seja, cada experiência como única carece de uma narração singular. As explicações universalistas perdem nesse contexto, espaço e sentido. A saída que Arendt encontrou foi narrar à experiência, isto é, buscou o recurso da memória e da narração para exaltar a natalidade e contrapor-se à mortalidade trazida pela experiência totalitária. Exalta-se a natalidade na medida em que a narração dos fatos constrói sentido para as novas gerações que se inserem em um mundo pronto, formatado. Contudo, a partir do que recebem, irá transformá-lo. Sendo assim, narrar esses eventos é também demonstrar a importância de se preservar o mundo público, de se preservar a ação e a vida plural.
A posição da ação no pensamento de Arendt, não é pensada a partir de um padrão, o que fez com que a autora compreendesse o seu trabalho como uma narrativa do grande “jogo do mundo”. Contar a ”história” é a única maneira de a ação permanecer na memória dos homens e de os feitos e as palavras humanas adquirirem dignidade por parte do pensamento. Ao se transformar numa storyteller, Arendt rejeita a posição de um ponto de vista arquimediano, como uma postura apropriada para o ato de filosofar e nos insere em um pensamento “narracional”, como o seu modus Philosophandi. Na figura do filósofo como storyteller, há um crescimento da importância do juízo para se compreender o filosofar em Arendt. O pensamento entendido como juízo ligado às circunstâncias mundanas libera o filósofo da tarefa de tematizar o absoluto – os princípios constitutivos de tudo ou o ser, de um ponto de vista arquimediano – e abre a vereda para a compreensão dos caóticos acontecimentos mundanos, isto é, viabiliza a transformação do filósofo em storyteller.
O pensamento “narracional” é o meio que o pensador encontra para lidar com os eventos quando os cânones da historiografia, da metafísica e do pensamento político perderam a capacidade de iluminar o que está acontecendo. Na ausência de padrões confiáveis, passa-se a invocar as próprias experiências como base de análise. Poderíamos dizer que Arendt desenvolve uma concepção de filosofia como storytelling, a habilidade de reter as experiências. Essa abertura do pensamento para experiência é que está na idéia de um “pensar apaixonado”, no qual a vida do espírito deita suas realizações mais importantes, não se dedicando às questões últimas, metafísicas, como nos antigos, mas no desinteressado prazer de julgar os acontecimentos. Nesse aspecto, o filósofo não está na companhia dos deuses, mas segue um percurso amplamente trilhado pelos historiadores, poetas e narradores (AGUIAR, In: BIGNOTTO; JARDIM, 2003, p. 218-219).
Por fim, parece-nos evidente a harmonia na conjugação das categorias aqui expostas: a memória, a narração e a imortalidade. Essa harmonia é possível por garantir o espaço público, isto é, um mundo politicamente organizado. Sendo assim, as ações dos indivíduos podem ser imortalizadas nos seus feitos e garantidas pela narração de memórias, em que ser imortal é, sobretudo, possibilitar a vida plural no espaço público. Desse modo, a delimitação do público e do privado vem à tona como reforço da ação garantida pela equivalência entre o discurso e a ação.


[i] A posição de Hannah Arendt visa demonstrar o quanto a eternidade é uma categoria alheia aos negócios humanos, o exemplo dado por Arendt é o da alegoria da caverna onde o filósofo, tendo-se libertado dos grilhões que o prendiam aos seus semelhantes, emerge da caverna. Põe-se, assim, em perfeita “singularidade”, nem acompanhado nem seguido de outros. Politicamente falando, se morrer é o mesmo que “deixar de estar entre os homens”, a experiência do eterno é uma espécie de morte. (ARENDT: 2001  p. 29)

quarta-feira, 6 de julho de 2011

profª. Amanda Gurgel - sinônimo de coerência.

Prezados Leitores e seguidores do Omnilateral, lembram da Prof. Amanda Gurgel e, seu contundente discurso na Assembléia Legislativa de Natal-RN, durante a greve dos professores daquele Estado. Pois tal postura lhe rendeu um prêmio. O que ela   fez dele? o transformou em coerência!! LEIAM sua carta ao juri e a organização que  concedeu o Prêmio. ( caso alguém não tenha visto o vídeo com o discurso - antes de lê a resposta ao prêmio - veja o vídeo - o mesmo se encontra a direita da página do blog no link vídeos.)

Entidade que a premiou - O PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais  
Evento: 19º Prêmio Brasileiros de Valor 2011 – Por um Brasil Ético e Eficiente.
Categoria: Eleita como “Educadora de Valor”, pela “manifestação contra a incúria do governo em relação à educação e aos maus tratos aos seus protagonistas, demonstrando corajosamente toda a sua indignação aos governantes”. 
Em carta, Amanda Gurgel explica seus motivos.

“Natal, 02 de julho de 2011"

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,
Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.
Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald’s, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.
A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.
Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.
Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.
Saudações,
Professora Amanda Gurgel”.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Cidade como experiência de um lugar.

 Ricardo George

Quando pensamos a cidade pensamos em um conceito fundamental, relacionados a ela, a saber: o conceito de lugar. Conceito este que fala do local em que nascemos, ou escolhemos para  viver, ou ainda, que nos acolheu nas circunstâncias da vida . "Lugar", é um conceito  espacial que durante longo  tempo foi utilizado  pelos geógrafos para expressar o sentido  locacional de um determinado sítio. Durante  longo tempo negado por muitas correntes de pensamento cientifico da geografia até que  a geografia humanista resolveu  fazer uso da palavra lugar como um conceito científico. De fato, esse foi um dos conceitos fundamentais para os propósitos dessa corrente, interessada em pesquisar as relações subjetivas do homem com o espaço e o ambiente. O conceito de lugar é apropriado para esse tipo de pesquisa por dizer respeito aos espaços vivenciados pelas pessoas em suas atividades cotidianas de trabalho, lazer, estudo, convivência familiar, etc. Por esse motivo, a geografia humanista define o lugar como uma forma de experiência humana, “um tipo especial de vivência do espaço”.
Milton Santos, pensador da Geografia crítica, conferiu importância teórica ao conceito de lugar ao longo do tempo. No livro A natureza do espaço, esse autor fala sobre a “força do lugar” e o qualifica como um espaço produzido por duas lógicas, a saber, a das vivências cotidianas das pessoas e a dos processos econômicos, políticos e sociais que constituem a globalização. Embora Milton Santos o faça com um olhar crítico, pois evidencia o lugar em relação com a globalização, que por muitas vezes é cruel com o modo de vida dos habitantes dos diversos lugares.
Todavia, minha intenção ao chamar o titulo desse artigo de “cidade” e tratá-lo a partir do conceito de lugar, recai sobre o zelo que devemos ter com o lugar em que vivemos. Urge a necessidade de um sentimento de cuidado com a natureza, com as ruas com as praças com a rede de serviço, mas, sobretudo, com as pessoas. Seguindo a lógica da Geografia humanista devemos valorizar as relações subjetivas com o espaço. A final, cada um entende e se relaciona com o lugar de maneira muito própria, e isto deve ser respeitado e cuidado por todos desde o poder público, aos mais diversos moradores do lugar. E de um modo geral devemos no mínimo ser gratos pelas formas de experiência humana que o lugar nos proporciona.
Aqui quero deixar minha imensa gratidão a Serra Talhada, a sua gente, a sua cultura, a sua culinária, a sua religiosidade, em fim, a seu modo de viver. Serra Talhada foi o lugar que as circunstâncias da vida me levaram a habitar, com minha família pelos últimos dois (02) anos. Uma experiência rica. Marcada de dores e alegrias, de sofrimento e aprendizagem e, sobretudo de intensa experiência da “força do lugar” com se referiu Milton  Santos em sua obra. Agora, depois de dois anos, deixo Serra Talhada, para ir ao encontro de outro Lugar. Eu e minha família viveremos novas experiências subjetivas com o novo espaço/lugar. Contudo, fica o respeito e, sobretudo, a gratidão da convivência com Serra Talhada.
Por fim, deixo registrado o apelo para o zelo e cuidado com o lugar em que vivemos, é preciso cuidar da vida cuidando do lugar, desde a estrutura do cimento armado até as relações que travamos cotidianamente. A Final o lugar é bojo onde está habitando nossa felicidade ou não. Portando, cuidemos do nosso Lugar. Obrigado a todos pela acolhida.